Sábado Poético: Toulet, Petrarca e um maio de minhas lembranças
Ou seja, o trabalho de dois poetas maiores e de um poeta menor

Esta semana me deparei com uma pequena obra-prima de um poeta que, sinceramente, não conhecia, Paul-Jean Toulet (1867–1920).
Escritor e poeta francês, conhecido por sua elegância estilística, ironia sutil e melancolia refinada. Nascido em Pau, no sudoeste da França, Toulet passou parte da juventude na Ilha Maurício e em Argel. Toulet é mais lembrado por sua coletânea poética Les Contrerimes, publicada postumamente em 1921. Nessa obra, ele criou uma forma poética própria, a "contrerime", caracterizada por estrofes de quatro versos com esquema de rima ABBA e alternância métrica entre versos longos e curtos. Seus poemas combinam leveza formal com uma profundidade emocional, explorando temas como amor, saudade e efemeridade da vida.
Recolhi o poema em outro Substack, O destino do verso, que sugiro seguirem. Lá ele publicou o original em seguida à sua tradução. Eu inverti essa ordem, colocando o original antes da minha tradução. É uma boa oportunidade, em minha opinião, de vocês conferirem as escolhas que fazemos ao traduzir um poema.
Semana profícua, realmente. Pois eis que me deparei também com uma citação, no LinkedIn de um querido amigo, Fabio Adiron, a Petrarca.
Francesco Petrarca (1304–1374), foi um poeta, filósofo e humanista italiano, amplamente considerado o "pai do Humanismo" e uma das figuras centrais do Renascimento.
A principal obra de Petrarca é o Il Canzoniere (também conhecido como Rime Sparse), uma coletânea de 366 poemas escritos em italiano vernáculo, dos quais 317 são sonetos.
A invenção do soneto é atribuída a Giacomo da Lentini, poeta da Escola Siciliana no século XIII. Ele desenvolveu a estrutura básica do soneto: um poema de 14 versos, geralmente divididos em duas partes — um octeto (duas estrofes de quatro versos) e um sexteto (duas estrofes de três versos). Essa forma foi posteriormente adotada e adaptada por poetas toscanos como Guittone d'Arezzo, que contribuiu para sua disseminação na Itália.
Mas foi Petrarca quem aperfeiçoou a estrutura do soneto, estabelecendo o que hoje é conhecido como "soneto petrarquiano" ou "soneto italiano", em que o octeto geralmente apresenta um problema ou situação, enquanto o sexteto oferece uma reflexão ou resolução. A transição entre essas partes é marcada pela "volta", uma mudança no argumento ou perspectiva do poema.
Abaixo, o Soneto 61 do Canzoniere, uma das composições mais célebres de Petrarca, onde ele expressa sua devoção profunda e idealizada pela amada, celebrando cada aspecto do momento em que se apaixonou por ela.
E aí me dei conta que estamos em maio. E lembrei de um poema que escrevi muitos maios atrás. Jovem, muito jovem. Poeticamente imberbe. E talvez, por isso mesmo, mais puro, bem mais puro. Até original. Confiram
O original de Toulet
Toute allégresse a son défaut
Et se brise elle-même.
Si vous voulez que je vous aime ;
Ne riez pas trop haut.
C’est à voix basse qu’on enchante
Sous la cendre d’hiver
Ce cœur, pareil au feu couvert,
Qui se consume et chante.
E a minha tradução
Toda alegria traz sobressalto
E se quebra sobre si
Se vós quereis que ame só a ti
Jamais rias tão alto
Fala baixinho se queres encantar
À luz cinzenta do inverno
Este coração, que busca só ser terno
E se consumir ao cantar
O Soneto 61, de Petrarca, no original
Benedetto sia ’l giorno, e ’l mese, e l’anno
e la stagione, e ’l tempo, e l’ora, e ’l punto,
e ’l bel paese, e ’l loco ov’io fui giunto
da’ duo begli occhi che legato m’hanno;
e benedetto il primo dolce affanno
ch’i’ ebbi ad esser con Amor congiunto,
e l’arco, e le saette ond’i' fui punto,
e le piaghe che ’nfin al cor mi vanno.
Benedette le voci tante ch’io
chiamando il nome de mia donna ho sparte,
e i sospiri, e le lagrime, e ’l desio;
e benedette sian tutte le carte
ov’io fama l’acquisto, e ’l pensier mio,
ch’è sol di lei, sì ch’altra non v’à parte.
E a minha tradução
Bendito seja o ano, o mês, o dia,
A estação, o lugar, o ar, a hora
E o país, em que sua encantadora
Alma uniu-se à minha em harmonia.
Bendita a doce e firme porfia
De dar-me a este amor que aflora,
E o arco, e a aljava, e a flecha
Que em meu peito abre funda brecha.
Bendita a voz que, repetindo, clama
Por onde ouve o nome de minha amada,
Suspiros, ânsias, e lágrimas derrama.
Bendito tudo o que escreve a mente,
E que ao louvá-la torna consagrada
A Ela, e só por Ela, eternamente.
Um poema de maio da minha juventude
Os Anjos de Ouro Preto
Para Tânia
Correr ladeira acima e abaixo
Nas três horas da tarde
Da cidade de Ouro Preto
Comer lanche com farofa e cerveja
Na sombra interstícia de um museu e uma igreja
Fazer poesia em parede de república
…
O verbo se fez atos
Habitando dentro de nós
Inútil buscar para eles uma explicação lógica
Ou racional:
Corríamos e amávamos
…
A rua calçada seguia
Até bem perto do fim do mundo:
Um beco na saída
Por onde se entra no mato
E uma igreja e uma subida
Vamos a Mariana?
Voltamos a Ouro Preto
Na volta, o túnel qual um monstro
Sua boca aberta, seu hálito frio, sua língua molhada
E entramos: a cerimônia de purificação
No olhar, no suspiro, no grito, no beijo
Engolidos e mastigados
Dos nossos pecados definitivamente afastados
Fomos
Puros, recomeçamos
…
Ninguém sabia, mas éramos dois anjos
Que corriam na tarde
E se amavam sofregamente
Naquela noite de maio de Ouro Preto