Sábados Poéticos: o frevo do neto, Shakespeare (sempre!) e um bálsamo
O que aguça minha criatividade? Pensar nas pessoas que amo.
Quarta-feira passada, 30/4, foi aniversário de Mateus, um dos meus netos. Figuraça. E fugidio, muito fugidio. Sempre topa fazer o que lhe pedimos, mas quase nunca faz. Cobrado, bate a mão na cabeça e exclama, seriíssimo, “é mesmo!” Antecipando a desatgradável tendência do “revenge porn” (sem o “porn”, claro) fiz um frevinho despretensioso. Fiquei feliz com algumas soluções poéticas da letra e uso isso como desculpa para publicá-lo aqui. Mas tem a ver mais com meu carinho enorme pelo Mateus.
Na sequência, mais Shakespeare. Desta vez, o Soneto VII. Nele, o bardo utiliza a trajetória do sol no céu como metáfora para a vida humana, especialmente a juventude e o envelhecimento. O sol nascente representa a juventude, admirada por todos; ao atingir o zênite, simboliza a maturidade plena; e, ao declinar, representa a velhice, momento em que a atenção e a admiração diminuem. O poeta adverte que, assim como o sol poente é menos observado, a beleza do jovem também será esquecida com o tempo, a menos que ele tenha um filho para perpetuar sua imagem.
Encerrando o post, um poema da neozelandesa Jane O’Shea, escritora e ativista ambiental. Ela compartilha reflexões e trabalhos em seu website, wordremedies.co.nz, e nas redes sociais, como Instagram e Facebook. O poema foi lindamente traduzido por Madá Pedrosa, instrutora certificada em mindfulness e tradutora intérprete, além de apaixonadamente envolvida com o estudo do Darma.
O frevinho
Toda vez que escuto
A melodia sincopada de um frevo-canção
Pergunto ao meu coração
Como foi que o deixei
Caminhar tanto a esmo
Quando você cobra minha presença
Finjo não ser comigo
Ou só consigo
Bater na cabeça e então responder
É mesmo!
Toda vez que vejo
As belas figuras criadas por um passista
Por mais que eu insista
Meu coração segue
Tropeçando a esmo
Um dia quem sabe esse mandrião
Vai afinal aprender
Que te querer
É aquela emoção
Pelo que vale dizer
É mesmo!
O Soneto VII de Shakespeare, no original
Lo! In the Orient when the gracious light
Lifts up his burning head, each under eye
Doth hommage to his new-appearing sight,
Serving with looks his sacred majesty;
And having climb’d the steep-up heavenly hill,
Resembling strong youth in his middle age,
Yet mortal looks adore his beauty still,
Attending on his golden pilgrimage;
But when from highmost pitch, with weary car,
Like feeble age, he reeleth from the day,
The eyes, ‘fore duteous, now converted are
From his low tract and look another way:
So thou, thyself out-going in thy noon,
Unlook’d on diest, unlesse thou get a son
E na minha tradução
Vê! Quando no Oriente ainda mui graciosa luz
Levantar a fronte em chamas, o recatado olhar
Prestará homenagem à essa visão que seduz
À sagrada majestade que continuas a reverenciar
Seguirás a escalar a íngreme celestial colina
Qual um jovem embora já estás na meia idade
E se avizinha o encontro final com a Peregrina
Tua beleza a pelejar ainda com a mortalidade
Mas há quando não mais disfarçar o cansaço
E ao peso da idade o dia inteiro o ser cambaleia
O olhar tão vivo antes será então baixo e baço
Nada a fazer a não ser se refugiar em uma ameia
Não serás garanto mais do que um empecilho
Descartável a não ser que tenhas um filho
O poema de Jane O’Shea/Madá Pedrosa
Meu bálsamo
Fecho os olhos e suspiro, e
aqui estou eu, deitada na redinha
do meu coração,
movendo-me suavemente
com o ar terno da respiração.
Quando caio abaixo da cabeça
para além das palavras,
sou pega com carinho
pela rede no meu coração e
embalada em seu balanço rítmico.
É minha paz,
meu descanso,
minha tranquilidade,
embalada aqui, na redinha do meu coração.
É constante, é seguro, ser abraçada por essa rede do coração.
Nenhum lugar para ir.
Nada a fazer.
Ninguém para agradar.
É meu altar, minha bênção, meu bálsamo _
Bem aqui, nessa rede no meu coração.